“Somente peço a Deus, que a guerra não me seja indiferente” (Mercedes Souza)
Somente quem já passou por uma guerra sabe como ela e
dolorosa e deixa uma cicatriz indelével na
psique das pessoas envolvidas, tanto os combatentes como os que indiretamente
sofrem as consequências, me refiro a população civil não combatente, os que não
estão envolvidos diretamente no confronto por um motivo u outro, a população dita
civil.
Tive a infelicidade de participar da insurreição armada
conhecida como Revolução
Sandinista que se deu em Julho de 1979 que culminou com a derrocada da
ditadura dos Somozas na Nicaragua. Participei
na luta urbana (na cidade) enquanto se travava a luta em campo aberto no sul do
pais na fronteira de Costa Rica. A estratégia era fazer dois fronts de luta,
uma convencional e outra na forma de guerrilha urbana nas principais cidades do
pais, dividindo assim o poderoso exercito somocista.
Nos bairros populosos de Managua – onde eu morava - começaram
a aparecer grupos armados com armas que davam a população após um rápido treinamento,
para poder enfrentar o exército e a polícia sediada na capital que viria para restabelecer a ordem. Estas armas
eram a maioria de caça, e poucos rifles obsoletos Fal, e Garangs que iam sendo substituídos a medida que “recuperávamos” os fuzis dos soldados mortos, e
bombas de fabricação caseira; eu comecei
usando uma pistola 9 mm que peguei á força do meu ex cunhado e posteriormente usei uma
M-16 recuperada.
Barricadas com os
tijolos das calçadas e avenidas eram levantadas para poder enfrentar o exército. Este levante, conhecido como a “Ofensiva
Final” ou “Insurreição armada” teve uma dura e desproporcional resposta
militar de parte do do governo com tanques, metralhadoras de grosso
calibre, e principalmente com bombardeios vindos de aviões. Muitos dos meus companheiros foram mortos e feridos, eu tive a sorte de sair ileso.
As armas que eram usadas não se comparam com os misseis usados
atualmente com alto poder de destruição, naquela época eram usados pelo exercito ,lança
morteiros e “rockets” de aviões da força
aérea que indiscriminadamente destruíam quase meio quarteirão, com baixas tanto
do lado civil como militar. E isto foi o que mais deixava amedrontado e
revoltado tudo mundo, pois os “assassinos da FAN” como eram chamados os pilotos
dos aviões da Força Aera Nicaraguense, deixavam cair suas bombas de maneira
indiscriminada o que causava grande destruição e baixas na população civil.
Era dantesca a cena daqueles corpos destroçados no meio dos
escombros, alguns já mortos outros gravemente feridos, gritando de dor, sendo
resgatados com mãos, pás e picaretas e levados a hospitais de campanha
improvisados onde não existia a mínima infraestrutura nem material hospitalar
nem corpo médico para poder atenuar a dor ou salvar vidas. Quando se podia
furar o bloqueio do exército e se conseguia chegar ao hospital com algum
ferido, este era recebido pelos militares como sendo um eventual combatente
sandinista e era morto ou preso na hora. Os cadáveres eram enterrados em valas comuns, na maioria das vezes sem a presença de nenhum parente, outras vezes- quando não haviam condições- eram incinerados; isto foram as cenas que mais me impressionaram, pois que os corpos em fogo pulavam como se estivessem vivos!
Enquanto isso, na fronteira com Costa Rica , se travava a verdadeira batalha, isto é, a guerra convencional, , em campos e montanhas, sem casas e civis no meio, entre ambos exércitos, o sandinista, como força guerrilheira irregular, e o exercito de Somoza , ambos bem treinados e equipados militarmente e com um hospital sediado em território costastarriquenho. Aqui não havia civis no fogo cruzado, não existiam “escudos humanos” ou vítimas inocentes..
Isto me fez pensar como eram mais práticas- pelo menos em termos de baixas da população civil- os confrontos militares de antigamente onde a maioria se davam de peito aberto, de corpo a corpo e em campos de batalhas previamente estabelecidos.
Ja estando no Brasil, nos anos 80´s, estourou outra guerra, chamada da Guerra dos Contras, mas esta era nas montanhas e não na cidade, a população civil foi poupada do conflito. Agora os guerrilheiros eram um exercito regular e treinados por Cuba e a União Soviética e os ex militares somocistas junto com outros rebeldes eram os que agiam como guerrilha!
Ante a atual guerra surgida pela ignominiosa invasão da
Russia na Ucrania, em que vemos em tempo quase real o alto poder de destruição das
armas modernas arrasando cidades inteiras (eu somente pude presenciar
quarteirões sendo arrasados por bombas hoje consideradas obsoletas ) e vendo milhares
de civis sendo mortos indiscriminadamente e outros milhares tendo que abandonar
suas casas para fugir; presenciando a dor e o pranto de tantos inocentes por causa de um
ditador megalomanicaco,, a cicatriz que ficou gravada na
minha mente abriu-se novamente enquanto meus
olhos choram e o meu coração sangra de dor! E difícil eu ficar neutro ou indiferente! .
Enquanto isso, os governantes das minhas duas pátrias agem
de maneiras quase idênticas porém de diferentes perspectivas ante o conflito: O
da Nicarágua por ser aliado ideológico –pois que ditaduras se atraem mutuamente
e ambos possuírem a mesma retorica anti americana - apoia a invasão russa , e o do Brasil se mantem neutro visando
ganhos do ponto de vista econômico já que a Russia é o maior fornecedor de
defensivos agrícolas.
Enquanto os nossos irmãos ucranianos resistem e morrem heroicamente, aqui na terra estão jogando futebol, tem muito Funk, carnaval, Lollapalooza , e Rock in Rio!